A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 32: XXXIII Pág. 500 / 508

Não duvidei.

O conselheiro respondeu a Augusto com reserva e mal disfarçado despeito, ainda que em tom moderado:

- Sei que fui injusto consigo, Augusto, e sinto-o do coração, creia. Ainda que as aparências o culpassem, arrependo-me de não ter tido mais força a minha confiança para não ceder. Peço-lhe por isso... humildemente... perdão. Iria a sua casa pedir-lho se não viesse aqui. Que mais quer? Acha-se com direitos a exigir mais? Será isso motivo para antever realizadas loucuras de rapaz?...

Augusto não o deixou continuar.

- Ouça-me, Sr. Conselheiro - disse ele placidamente - diante de todas as pessoas que me escutam, lealmente e sem hesitar, patentearei o meu coração. É verdade que essas loucuras se apoderaram de mim, que, desde criança até hoje, tenho sido todo delas; mas que importam aos outros, se eu comigo as guardava? Se nunca por elas regulei os actos da minha vida? Ocorrências imprevistas me arrancaram este segredo, que eu fiz sempre por sufocar. Nem ambições me despertou, como meio de realizá-lo, porque nem em realizá-lo pensava. Resignar-me-ia a morrer com ele, sem o revelar a ninguém; mas, adivinhado por quem o fizera nascer, e, deixe-se-me o orgulho de o dizer, adivinhado e correspondido, que muito era que me tomasse a vertigem, e que eu por momentos me deixasse cegar pelo fulgor de imprevistas esperanças? Perdoe-se-me a franqueza. As ilusões duraram pouco; as palavras de V. Ex.ª dissiparam- nas... um tanto cruelmente, mas em todo o caso acordei. Creia, Sr. Conselheiro, que o ser pobre, sem família e sem nome impõe também uma certa ordem de deveres, a que eu serei fiel. Não é o de humilhar-me; é o de manter a única dignidade que me resta, a dignidade moral. Já vê V. Ex.ª que se enganou de duas maneiras: nem da parte do rapaz pobre houve especulação, nem da parte da herdeira rica estouvamento.





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