- Ora as etiquetas com que esteve, Torcato! Mande-o entrar para aqui.
O feitor parece que resmoneou não sei o quê, a que ainda a mesma voz redarguiu:
- O que não é bonito é fazê-lo esperar. Ande, vá.
Torcato - chamemos-lhe assim, visto que assim lhe chamaram - apareceu outra vez e fez sinal a Henrique de que o esperavam na sala imediata.
Henrique, que pressentiu ir achar-se na presença de uma mulher nova e porventura bonita, correu, com instinto de perfeito homem de corte, os dedos pelos cabelos, afagou o bigode, ajeitou rapidamente o laço da gravata e entrou.
Era completo o contraste deste aposento com o primeiro; transpondo aquela porta, dissipava-se todo o perfume antigo, todo o carácter de vetustez que até ali reinava em tudo. Era moderno o estuque do tecto, moderníssimo o papel que forrava as paredes; e a mobília toda de um cunho de actualidade, visível aos olhos menos pesquisadores. Como para tornar mais frisante o contraste, a presença do velho feitor estava aqui substituída por a de duas crianças, a mais velha das quais mal passaria dos seis anos.
O reposteiro que caiu atrás de Henrique foi como que uma cortina corrida sobre o passado. A porta que ele transpusera, a barreira que separava dois séculos.
Sentadas no topo de uma longa mesa de jantar, coberta de louça fina inglesa, estavam as duas crianças que dissemos, com os seus babeiros brancos e tendo cada qual defronte de si um prato de odorífera sopa.