A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 4: IV Pág. 56 / 508

E, de si para si, estava encantado de saber que a sua interlocutora tinha lido Werther.

Madalena, para mudar de conversa, perguntou-lhe:

- Então que lhe parece esta nossa aldeia?

- Um jardim. Ontem, ao chegar, confesso que me foi desagradável a impressão recebida. Nem admira: a noite, o frio, a chuva, o cansaço. Esta manhã, porém, a transformação foi completa. Estou encantado, fascinado! Numa palavra, minha senhora, eu, cidadão em corpo e alma, reconciliei-me em poucas horas com a vida do campo.

- Desconfie da mudança rápida. Hábitos radicados, qualidades ou defeitos de educação não se perdem assim depressa. Alguns dias aqui, e suspirará por Lisboa outra vez.

- Talvez não. Hoje estou até em acreditar que tinha razão o doutor que me prometeu a cura das minhas doenças, se me costumasse deveras a estes hábitos campestres.

- Ai, prometeram-lhe isso? E espera costumar-se?

- Porque não? Hoje já almocei às sete horas, já andei mais do que uma semana inteira ando em Lisboa. E ainda tenho por ver as raridades da terra.

- As raridades?! E que raridades são essas que inda tem para ver? A nossa pobre aldeia não lhe merece essa ironia.

- Então acha tão pouco curiosa esta terra? Do quase nada que dela observei esta manhã, parece-me até...

- Ai, se fala da natureza, é outra coisa. A cada passo se encontra um ponto de vista, que nos obriga a uma exclamação. Mas há por aí certos cicerones que insistem em mostrar aos hóspedes as belezas da arte. Peça a Deus que o livre desse flagelo.

- V. Ex.ª assusta-me. Embora; se lhes cair nas mãos, farei por achar curioso o que eles acharem. Vai ser esse o meu sistema de cura. Interessar-me por tudo o que um homem da aldeia se interessa.

Foi o regímen que me prescreveu o médico, quando me receitou o campo, a título de emoliente; se o seguir, salvo-me.





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