As Aventuras de Tom Sawyer - Cap. 20: Capítulo 20 Pág. 102 / 174

Não esperava que Tom se salvasse de apanhar negando ter entornado a tinta, e teve razão. A sua negativa teve como resultado agravar ainda mais o caso, mas Becky supusera que isto lhe daria alegria e, por muito que diligenciasse convencer-se de que assim era, não estava bem certa disso. Quando as coisas chegaram ao ponto culminante, teve uma vontade enorme de se levantar e acusar Alfred Temple, mas dominou-se e ficou quieta, dizendo consigo própria:

- Ele vai acusar-me de ter rasgado a gravura do livro, por isso não digo uma palavra, nem para lhe salvar a vida!

Tom sofreu o castigo e voltou para o seu lugar, sem desânimo, porque pensou que talvez, de facto, tivesse entornado tinta no livro sem dar por tal. Negara pro forma e porque era esse o costume, e sustentara a negação por princípio.

Passou uma hora. O murmúrio do estudo e o calor provocavam uma sonolência terrível; o professor cabeceava na sua cadeira, até que, num dado momento, se endireitou, bocejou, abriu a gaveta e estendeu a mão para o livro, mas pareceu indeciso se havia de o tirar ou não. A maior parte das crianças olhava indiferente e só duas, de entre elas, observavam atentas todos os seus movimentos. Com um ar distraído, Mr. Dobbins pegou no livro, tirou-o da gaveta e acomodou-se para ler. Tom relanceou um olhar para Becky, cujo aspecto lhe lembrava o de um coelho que se via perseguido por um caçador que lhe apontava a espingarda. Por momentos esqueceu a sua zanga. Era preciso fazer alguma coisa, e rapidamente, mas a própria gravidade da situação paralisava-lhe a inventiva. Teve então uma inspiração: correr, agarrar no livro e fugir. Mas hesitou um momento, e a oportunidade passou porque o professor abriu o livro. Como voltaria a tê-la outra vez? Era demasiado tarde. Já nada podia valer a Becky, dizia para consigo.

Momentos depois, o professor olhou para todos, e todos baixaram os olhos. Mr. Dobbins tinha o poder de enervar mesmo os que estavam inocentes. Houve um silêncio durante o qual se poderia contar até dez. O professor sentia a sua ira, e, por fim, perguntou:

- Quem rasgou este livro?

Não se ouviu um som. Sentir-se-ia cair um alfinete. O silêncio continuou, e o professor procurou descobrir, em qualquer dos rostos, sinais de culpa.

- Benjamin Rogers, rasgou este livro? Uma negativa e outra pausa.

- Joseph Harper?

Outra negativa.





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