Este quadro, que pintava a si mesmo, agradou-lhe tanto que o estudou sob vários aspectos, até que se aborreceu. Então levantou-se com um suspiro e pôs-se a caminho. Perto das nove e meia ou dez horas chegou à rua onde morava a sua adorada desconhecida e parou um instante; não se ouvia um som. Uma luz brilhava através de uma cortina numa janela do segundo andar. Estaria ali a sua amada? Trepou o tapume, saltou para dentro do jardim e caminhou por entre as flores até chegar debaixo dessa janela; comovido, olhou para cima durante muito tempo e por fim estendeu-se no chão naquele lugar; deitou-se de costas, pondo as mãos sobre o peito e segurando entre os dedos a pobre florzinha murcha. Assim morreria no frio mundo, sem um abrigo por sobre a cabeça, sem mãos amigas para lhe enxugarem na fronte o suor da morte, sem um rosto que se curvasse para ele cheio de piedade quando chegasse a hora da agonia. Nesta posição o veria a pequena quando, na luz clara da manhã, olhasse através da janela. Oh! Deixaria ela então cair uma lágrima sobre o seu pobre corpo imóvel e daria um suspiro ao ver a sua vida tão rudemente perdida, tão prematuramente ceifada?
A janela abriu-se, a voz desagradável de uma criada profanou o silêncio da noite e um dilúvio de água encharcou os restos do pretenso mártir!
O impetuoso herói levantou-se indignado, ouviu-se um ruído como de um projéctil no ar, a que se juntou o murmúrio de uma praga, logo seguido de um tinir de vidros, e um vulto, pequeno e vago, saltou por cima do tapume para desaparecer na escuridão.
Pouco tempo depois, quando Tom, já despido para se deitar, revistava o fato encharcado à luz de um coto de sebo, Sid acordou, mas, se alguma vez tinha pensado em aludir ao que se passara, desistiu porque o olhar de Tom não lhe inspirou confiança.
Este deitou-se, sem se preocupar com rezas, e Sid tomou conta da omissão.