As Aventuras de Tom Sawyer - Cap. 14: Capítulo 14 Pág. 74 / 174

- É isso, é! - concordou Huck. - Eles já fizeram isto o Verão passado, quando Bill Turner se afogou; disparam um canhão por cima da água para fazer vir o corpo ao de cima, e deitam à água pães com mercúrio dentro, que vão flutuando até ao sítio onde está a pessoa afogada, e, quando lá chegam, param.

- É, é. Já ouvi dizer isso! - asseverou Joe. - Sempre gostava de saber por que é que o pão faz isso.

- Não é o pão que faz - disse Tom -, mas o que lhe dizem antes de o deitar à água.

- Não dizem nada! - informou Huck. -Já os vi fazer isso e sei que não dizem.

- Isso é engraçado! - observou Tom. - Mas talvez digam qualquer coisa baixinho. Dizem, com certeza. Está-se mesmo a ver.

Os outros dois concordaram que havia certa razão nas afirmações de Tom, porque de facto não se podia esperar que um bocado de pão procedesse inteligentemente num caso tão grave, não levando consigo um bruxedo qualquer.

- Palavra que gostava muito de lá estar agora! - exclamou Joe.

- Também eu! - respondeu Huck. - Dava tudo para saber quem foi.

Continuaram a escutar e a olhar, até que uma ideia luminosa atravessou o espírito de Tom.

- Já sei quem se afogou, rapazes! Fomos nós.

No mesmo instante sentiram-se heróis. Era um triunfo maravilhoso: davam por falta deles; choravam-nos; por sua causa havia corações que sofriam; derramavam-se lágrimas; havia quem se acusasse de ter pronunciado palavras cruéis para aqueles pobres rapazes e quem se confessasse arrependido e cheio de remorsos; mas o melhor de tudo é que eram o assunto de toda a aldeia e faziam inveja aos rapazes, por causa da notoriedade que tinham alcançado. Só por isso valia bem a pena ser pirata, afinal.

Ao anoitecer o vapor voltou ao seu trabalho habitual e os barcos pequenos desapareceram. Os piratas tornaram ao acampamento, encantados e envaidecidos por se sentirem personagens famosos, e pela perturbação que tinham espalhado na aldeia. Pescaram, cozinharam a ceia e comeram-na; depois, deitados com os cotovelos no chão, puseram-se a calcular o que a aldeia pensava ou dizia a seu respeito. Então, os quadros que fizeram da desolação geral pela sua perda eram uma beleza, segundo eles próprios julgavam. Porém, quando as sombras da noite desceram por completo, os três rapazes foram-se calando, e ficaram a olhar o lume, com o pensamento muito longe dali. A excitação acalmara, e nem Tom nem Joe podiam deixar de recordar certas pessoas da aldeia que não gozavam com eles aquele prazer.





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