- Isso também não é assim... Deus me livre! Não se diz «Deus me livre», porque a riqueza... a riqueza... sim, a riqueza não está na terra... isto é, a riqueza está na terra... mas é preciso o capital para a exploração... Percebe?... Ou... suponhamos... por exemplo... Não... vamos cá por outro lado... Há um deficit num orçamento... desce o preço das inscrições... Ora bem... Mas... suponhamos que há boas estradas, et coetera... A riqueza tende a aumentar... e... e... Enfim, lá que as estradas são úteis, isso é que não tem questão.
Toda esta lengalenga económica foi escutada pelo auditório com profunda atenção.
O Brasileiro, assinante e leitor infalível de vários periódicos políticos, conseguira, à força de leitura, fixar na memória certas frases do artigo de fundo, e acabara por convencer-se de que possuía grandes noções de ciência política. Em ocasiões como esta dava uma sacudidela ao intelecto, e aquelas frases, como os variados objectos do interior de um caleidoscópio, tomavam uma disposição tal ou qual, mais ou menos regular, e assim lhe saía uma dissertação, como essa que viram. Em permanente indigestão económica vivia este portento. A doença não é das mais raras entre políticos.
O Sr. Joãozinho das Perdizes abriu desmesurada e ruidosamente a boca, depois do discurso do Brasileiro, e disse:
- Eu cá por mim não sei dessas coisas. Não se me dava das estradas para poder ir à feira de Penafiel com menos trabalho, mas, já disse, que me não venham mexer na quinta; porque então têm que ver.
- Pois está arriscado a isso - disse o Brasileiro.
- Veremos; depois não se queixem. Temos a história da papelada outra vez.
- Houve a ideia de levar a estrada pela Corredoura fora, depois de tomar à esquerda pelo Crasto e vir direito à Palhoça.