Orlava a sala, no alto, um friso ou cornija saliente, onde coradas maçãs de Inverno aguardavam, em vistosa fileira, a completa maturação, e derramavam no aposento o mais agradável aroma. O pavimento, apesar de muito picado de caruncho, andava limpo e escafunado - termo do vocabulário de casa - que metia gosto vê-lo.
Cada parede era um museu de estampas de devoção. Poucos santos e santas da corte celestial não estavam ali representados e com um colorido, que era o maior pecado, a que estes bem-aventurados haviam dado lugar cá no mundo.
Lá se via Santa Quitéria e as suas sete companheiras; Santa Ana ensinando Nossa Senhora a ler; o Senhor dos Passos, venerado em S. João Novo, no Porto; o Bom Jesus de Bouças, representação da imagem, que, segundo reza a respectiva crónica, é obra das mãos de José de Nicodemo; os Santos Mártires de Marrocos, da igreja de S. Francisco, etc., etc. Sobre a cómoda de pau-preto era devotamente venerado o mais rubicundo, menineiro e bem disposto Santo António, que ainda modelaram as mãos de santeiro afamado.
E seja dito de passagem que não sei por que a tradição popular dá a este austero franciscano o aspecto chorudo de um moderno reitor de farta abadia de aldeia.
No interior da redoma onde se abrigava o santo estava estabelecido o museu de raridades da tia Doroteia. Eram flores artificiais, concharinhas e caramujos, um rosário de caroços de azeitonas, uns poucos de vinténs de prata, enfiados e pendentes do braço do Menino Jesus, que o santo sustentava ao colo, verónicas, escapulários, uma campainha benta, uma medida do braço do Senhor de Matosinhos, um pão do saco de Santa Isabel, que vai na procissão de Cinza, no Porto, e outros objectos curiosos.