A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 2: II Pág. 24 / 508

A mobília da sala consistia em cadeiras de palhinha, que gemiam quando entravam em serviço, como militar cujas articulações o reumatismo invadiu; mesas cobertas com colchas de chita; baús cravados de pregaria amarela, disposta em letras e arabescos; uma papeleira de pau-santo, e uma gaiola com um canário decrépito, objecto, havia muitos anos, das tentações de um gato, mais decrépito do que ele e pertencente às classes inactivas.

Henrique, adivinhando, por todo aquele cheiro de beatitude e de antiguidade que ali se respirava, os hábitos da casa, sentia já certo desconforto, como de quem é arrancado de súbito ao ambiente em que se educou e vive, engolfado num ambiente estranho; espécie de asfixia moral, não menos angustiosa do que a do peixe fora da água.

A saudade que ao princípio sentira dissipara-se já. O perfume da saudade é como o de certas flores, que só se percebe quando de longe o recebemos. Se, iludidos, as tentamos aspirar de perto, dissipa- se.

Acontecera isto com Henrique.

Cada vez, portanto, se lhe radicava mais funda a crença de que não seria por muito tempo que se demoraria ali.

- Os emolientes do doutor - pensava ele, enquanto sua tia falava - serão eficazes para quem os puder sofrer sem enjoo, mas para mim...

No entretanto sentou-se.

- Ora o Henriquinho! - dizia ainda D. Doroteia, pondo-se de braços cruzados em contemplação defronte dele. - Ó menino, onde foste tu arranjar esses bigodes tamanhos? Então isso agora usa-se?

Pergunta que sobremaneira embaraçou Henrique.

- Quem quer usar, usa, tia. Não é obrigação - respondeu ele, com leve mau humor.

- Em nome do Padre e do Filho! - dizia Maria de Jesus, benzendo- se e tomando lugar ao lado da ama. - Até nem sei que parece lembrar-se a gente que trouxe este marmanjão ao colo!

O termo «marmanjão» não soou bem a Henrique.





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