A mobília da sala consistia em cadeiras de palhinha, que gemiam quando entravam em serviço, como militar cujas articulações o reumatismo invadiu; mesas cobertas com colchas de chita; baús cravados de pregaria amarela, disposta em letras e arabescos; uma papeleira de pau-santo, e uma gaiola com um canário decrépito, objecto, havia muitos anos, das tentações de um gato, mais decrépito do que ele e pertencente às classes inactivas.
Henrique, adivinhando, por todo aquele cheiro de beatitude e de antiguidade que ali se respirava, os hábitos da casa, sentia já certo desconforto, como de quem é arrancado de súbito ao ambiente em que se educou e vive, engolfado num ambiente estranho; espécie de asfixia moral, não menos angustiosa do que a do peixe fora da água.
A saudade que ao princípio sentira dissipara-se já. O perfume da saudade é como o de certas flores, que só se percebe quando de longe o recebemos. Se, iludidos, as tentamos aspirar de perto, dissipa- se.
Acontecera isto com Henrique.
Cada vez, portanto, se lhe radicava mais funda a crença de que não seria por muito tempo que se demoraria ali.
- Os emolientes do doutor - pensava ele, enquanto sua tia falava - serão eficazes para quem os puder sofrer sem enjoo, mas para mim...
No entretanto sentou-se.
- Ora o Henriquinho! - dizia ainda D. Doroteia, pondo-se de braços cruzados em contemplação defronte dele. - Ó menino, onde foste tu arranjar esses bigodes tamanhos? Então isso agora usa-se?
Pergunta que sobremaneira embaraçou Henrique.
- Quem quer usar, usa, tia. Não é obrigação - respondeu ele, com leve mau humor.
- Em nome do Padre e do Filho! - dizia Maria de Jesus, benzendo- se e tomando lugar ao lado da ama. - Até nem sei que parece lembrar-se a gente que trouxe este marmanjão ao colo!
O termo «marmanjão» não soou bem a Henrique.