leitores o tom rouco de voz, extravagância de gestos, o descomposto dos movimentos com que o orador acompanhava a recitação dos descosidos períodos daquela indigesta prática, talvez me animasse à empresa, para lhes dar um exemplo da vigorosa eloquência com que se anda atrasando a civilização do povo e prejudicando a verdadeira religião, a despeito dos bons sacerdotes, cuja voz é abafada por aquela gritaria.
As mais tétricas e pavorosas imagens adornavam o discurso.
Era o enxofre a ferver, o chumbo derretido, as caldeiras de pez, as fornalhas ardentes, inúmeras torturas, a que o menor delito, tal como um jejum mal guardado, uma confissão mal feita, uma involuntária falta à missa, uma penitência esquecida, uma oração suprimida, arriscava as almas, por toda a eternidade. Para cada pecado venial uma perspectiva de tormentos sem fim. O tribunal de Deus arvorado em tribunal do Santo Ofício, onde os autos-de-fé, os potros e cavaletes aguardavam os delinquentes arrastados até ali, eis o resumo da oração. A fatal e desesperadora sentença, que o poeta florentino esculpiu no pórtico do Inferno, traçava-a este sobre os umbrais do tribunal do Eterno.
Na escultura do Cristo, obra rude do buril popular, mostrava o vulto de um acusador, surgindo ali a pedir vingança, e não o do Redentor sublime a implorar e prometer perdão. E tudo isto de mistura com imprecações contra as modernas instituições sociais, contra a obra do século, contra os descobrimentos, contra a ciência, contra tudo em que se descobrisse o cunho da época e que tendesse a modificar os costumes e as ideias em sentido menos favorável à propaganda reaccionária.
À medida que a oração progredia, animava-se a voz do orador; aumentava a desordem dos gestos e refinava a selvajaria das imagens.