A pequena doente correspondeu-lhe ainda ao beijo e continuou a fitá-la como dantes. E durou, e durou este olhar até que pareceu a Madalena haver nele não sei que estranha fixidez, que a inquietou.
Palpou as mãos da criança, estavam frias; o coração, parado; chamou-a pelo nome... a mesma fixidez no olhar, a mesma imobilidade nas feições... Estava morta.
Foi assim que se despediu da vida aquele cândido espírito. Foi como o adormecer de uma alma, que algum anjo invisível, namorado dela, arrebatasse nas asas, para o trono de Deus.
A morte de uma criança como Ermelinda é um facto de ordinário indiferente na vida social; alguns sorrisos de menos no Mundo; uma voz que emudece nos festivos coros da infância; algumas sentidas lágrimas de mãe sobre um berço vazio; algumas flores sobre um túmulo; e à superfície das ondas sociais nem sequer a leve vibração que a rosa desfolhada imprime à água tranquila do lago... eis tudo.
A multidão segue no delírio das festas, na luta das paixões, na febre da ambição e das glórias, e o perfume da flor pendida não afecta os sentidos embriagados.
Às vezes, porém, não sucede assim, e assim não devia suceder com Ermelinda.
As paixões humanas, que ante o cadáver de uma criança, coroada de flores cândidas e cingida da alva túnica da pureza, deviam abrandar-se, como diante de uma visão do Céu, tomam-no às vezes por estímulo para mais furiosas se desencadearem, e proclamarem a luta, a sedição e a vingança.
Desde que fora publicada a portaria, proibindo expressamente os enterramentos na igreja, medida tão adversa ao espírito do povo, não tinha havido na terra uma morte que obrigasse a pôr a medida em execução.
A ira popular, exacerbada de contínuo pelas secretas instigações de alguns padres fanáticos ou hipócritas, e dos adversários políticos do conselheiro, rugia, havia muito, surdamente, mas não rompera em explosão por falta de pretexto.