A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 25: XXV Pág. 394 / 508

.. Ó anjo do Céu! Viver eu para te ver assim!

E, tirando-a do esquife, cingiu-a contra o peito, cobrindo-a de beijos, que não conseguiam aquecer o gelo daquelas faces.

Raros olhos ficaram enxutos ante aquela sincera dor. Desvanecera- se a ira popular; como que uma nobre vergonha, uma vergonha de boa índole, fazia já renegar aos mais atrevidos os seus excessos passados.

O Cancela continuava:

- Esta frialdade da morte! Esta brancura das faces!... Isto mata-me, despedaça-me o coração!... Não me morras assim, filha! Não me morras, antes de dizer-me uma palavra de amor... de perdão. Sim, tu tinhas que me perdoar antes de morrer! Porque não esperaste ao menos?... Pensar eu que hei-de ver-te partir, sem que me dês um beijo de despedida?... Que te não hei-de ouvir falar? Só! Só! Ficar só! Só neste mundo, Senhor!... Em que tanto vos ofendi, meu Deus, para me castigardes assim!? Em quê?

Madalena chorava, comovida, ao ouvir estas palavras dolorosas.

O Cancela voltou para ela os olhos já marejados de lágrimas.

- Ó menina Madalena, pois Ermelinda morreu?... Fale, diga-me. A minha filha morreu? A que horas?... Como?... Falou em mim? Pensou em mim?... Perdoou-me?... Chora, e não responde... Então não me perdoou? Pois minha filha não me perdoou?

Madalena respondeu a custo:

- Que tinha ela a perdoar-lhe?

- Não é verdade que eu lhe queria muito? Não é verdade que eu vivia por ela? Agora... que me importa o viver? Como posso eu viver!? Ai, se Deus me matasse agora, assim! Abraçado a este anjo! Se Deus me matasse! E outra vez a estreitava nos braços.

Depois, voltando-se para o povo que se conservava ali, perguntou com voz alterada:

- Que procuram?... Que querem?... O que fazem aí armados, ao pé de minha filha morta?

- Queremos que eles a enterrem na igreja - responderam, já tibiamente, algumas vozes.





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