A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 28: XXVIII Pág. 423 / 508

precisas precauções para não fazer estalar as tábuas do soalho, havia já em baixo uma luz escassa, que desenhava, longas no pavimento, as sombras de duas pessoas, ainda ocultas sob a varanda do coro.

Cedo se adiantaram para o altar, e claramente se reconheceu serem Cristina e Torcato.

Caminharam silenciosos até o altar principal. Torcato subiu os três degraus, sobre que este ficava elevado, e acendeu duas velas de cera que, em enegrecidos castiçais de madeira dourada, ornavam uma imagem da Virgem da Soledade. Espalhou-se no recinto uma froixa claridade, que não dissipou as sombras dos recantos, nem as que se condensavam no tecto.

Cristina fez sinal então a Torcato, para que se retirasse; e o velho, com os passos arrastados e tossindo, caminhou para a porta, que dentro em pouco se ouviu gemer sobre os gonzos e fechar-se com estrondo.

Tudo ficou depois em silêncio.

Cristina então ajoelhou diante daquela imagem, que era a de que a tradição popular contava milagres, e em profundo recolhimento ficou imóvel a rezar a devoção prometida.

Henrique de Souselas sentia-se enlevado por esta cena. Aquela angélica criatura viera ali agradecer à Virgem o tê-lo salvado! Aquele anjo amava-o! Havia, pois, no Mundo quem o amasse com um amor puro e cândido, em que ele já nem acreditava. E cabia-lhe a suprema ventura de gozar um amor assim! Madalena via com alegria a comoção de Henrique.

A oração de Cristina prolongou-se por alguns minutos.

Henrique murmurou, juntando as mãos:

- Deus te recompense, anjo, a consolação que me dás.

- Não peça a Deus o que está na sua mão - respondeu-lhe em voz baixa Madalena.

- Que diz?

- Está ou não sinceramente apaixonado?

- Como nunca imaginei que fosse possível estar.

- Crê na pureza daquele coração?

- Como na dos anjos.





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