- Aqui a leitora parou para perguntar:
- Então que história é esta das arrecadas, Ana?
- É, senhora, que o aluguer estava vencido...
- E não podia falar-me antes de se lembrar do seu filho?
- Ora, senhora, bem basta o que...
- Fez mal. Estar a afligi-lo com estas coisas! Ele que precisa de toda a coragem! E continuou a ler a carta, no meio das lágrimas e das expansões de alegria da ouvinte, mais interessada nela.
Acabando, deu um beijo na criança, que tinha ao colo, e estendeu a mão a receber a carta que outra mulher do grupo lhe passou.
Esta era menos de consolar. Não se falava ali senão de contratempos, de reveses e desesperanças. Mais do que uma vez teve de suspender a leitura, para mitigar a dor e enxugar as lágrimas que ela estava produzindo na pobre mulher a quem era dirigida.
Após esta, ainda outra e outra; uma de marido para mulher; outra de filho para mãe; outra de noivo para noiva.
Foi com o riso nos lábios e inofensiva malícia nas inflexões da voz e no olhar, que ela decifrou os mal legíveis caracteres, com que, em papel bordado, pintado e recortado, vinham expressos os mais arrebicados conceitos amorosos que ainda ditou uma paixão.
A noiva corava, sorria; mas, no meio da sua modesta turbação, era evidente que estava exultando de júbilo.
Com esta terminou a leitura.
Henrique não resistiu a esboçar rapidamente o gracioso grupo na carteira que trazia consigo. Não pôde, porém, deixar de dar-lhe um sabor de idade média, substituindo a jumenta por um palafrém de pura raça e dando à donzela, pelos trajes com que a desenhou, os ares de uma castelã rodeada dos seus vassalos.