- Quem a ouvir falar, há-de julgar que será ela a mais madrugadora; ora havemos de ver - disse Cristina.
Madalena pôs-se a rir.
E o passeio ficou ajustado. A Morgadinha lembrou que se convidasse Augusto, por ser conhecedor do sítio e poder mostrar os mais belos pontos de vista.
Henrique saiu finalmente da quinta do Mosteiro, já retardado uma boa hora ao que prometera à tia Doroteia.
Um criado serviu-lhe de guia até Alvapenha.
Henrique de Souselas, ao findar aquela manhã, era inteiramente outro do que viera para a aldeia. Todas aquelas horas se haviam passado, sem que o afligissem os males habituais, sem que nem sequer pensasse neles. O viver íntimo a que assistira, a troca recíproca de afectos entre os membros de tão numerosa família, a franqueza cordial com que fora recebido, produziram nele uma impressão profunda.
Costumado ao viver desconsolador e de gelo de rapaz solteiro e só; não passando, nas casas que visitava, além da sala de visitas, esse palco artificioso e reservado, onde as famílias ante as famílias representam a comédia social, Henrique estranhara, mas agradavelmente, o espectáculo, quase novo, daquele interior, daqueles modestos costumes, daquelas alegrias, que não se envergonhavam de aparecer sem reservas nem disfarces. Foi uma revelação que recebeu. Sorriu-lhe a ideia de ter um dia uma família assim; de viver entre crianças que lhe trepassem aos joelhos, na companhia de afectos, que ali via manifestarem-se, e até com alguém que ralhasse com os criados, à maneira de D. Vitória.
Escusado é dizer que a imagem da Morgadinha aparecia sempre nestes quadros que lhe traçava a fantasia; assim como, nos quadros dos grandes mestres, aparecem quase sempre reproduzidas as feições queridas da mulher que eles traziam no pensamento e a quem deram assim a imortalidade.