E é certo que mais do que justificadas tinham de ser estas apreensões da Morgadinha.
Na tarde daquele mesmo dia, em que Ermelinda acordara mais tranquila e animada, renovaram-se subitamente, e assustadores como nunca, os indícios do mal profundo.
Um delírio violento, caracterizado por vagos e mal definidos terrores, gritos angustiosíssimos, contracções espasmódicas, que parecia despedaçarem aquele corpo, frágil e delicado, surgiram de novo, e, ao dissiparem-se, deixaram, como rastos, uma prostração extrema, uma quase completa insensibilidade de funesta significação.
Madalena, assustada, tomou nos braços a débil e emagrecida criança, e trouxe-a para junto de uma janela, donde ainda se avistava o Sol, já quase a esconder-se por detrás de uma colina distante.
Dir-se-ia querer pedir aos froixos raios de um quase crepúsculo de Inverno um pouco de calor para fundir os gelos da morte, que principiavam a invadir os membros delicados daquela formosa criança; ao clarão levemente afogueado do horizonte, um pouco das suas tintas para aquelas faces morbidamente pálidas; à amenidade da paisagem, um reflexo de sorriso para aqueles lábios, onde ele se apagara.
Os olhos de Ermelinda fitaram-se tristemente no Sol já vacilante, com a expressão, cheia de saudade e de poesia, de uma alma jovem, que se despede da vida, e, quando o Sol desapareceu, desviaram- se lentamente para o rosto de Madalena, que a observava com ansiedade.
Ermelinda sorriu; um sorriso mais triste do que as mais tristes lágrimas.
A Morgadinha apertou-a ao seio, comovida.
- Que tens tu, minha filha? - disse-lhe com meiguice, afagando-a.
Ermelinda não respondeu, mas continuou a fitar Madalena com a mesma expressão de afecto e de tristeza.
A Morgadinha aproximou os lábios dos dela para beijá-la.