Em seguida, pôs-se de pé nas pernas de trás e deu uns saltos esquisitos, louco de gozo e proclamando em guinchos a sua felicidade irreprimível. Continuou a correr pela casa, espalhando a destruição no seu caminho.
A tia Polly entrou a tempo de o ver dar várias cambalhotas e, com um guincho fortíssimo, sair pela janela aberta, levando à frente os vasos de flores que ali estavam. A senhora ficou petrificada de espanto a olhar por cima dos óculos, enquanto Tom se deitava no chão, morto de riso.
- Tom, que tem o gato?
- Não sei, tia! - respondeu o rapaz entre gargalhadas.
- Nunca o vi desta maneira. Porque salta ele assim?
- Não sei, tia Polly. Os gatos brincam sempre deste modo quando estão muito contentes. - Achas isso?
Havia no tom de voz da tia Polly qualquer coisa que deu apreensões a Tom.
- Sim, tia. Pelo menos eu julgo que sim.
- Julgas?
- Julgo, sim, tia.
A senhora curvou-se a olhar com um misto de interesse e aflição. Só demasiado tarde ele adivinhou o motivo desse interesse. O cabo da colher indiscreta espreitava no chão, por debaixo da colcha, e a tia Polly pegou-lhe, mostrando-a ao sobrinho.
Tom virou-se e baixou os olhos, mas, sem hesitações, a tia Polly levantou-o pelo sítio do costume, que era a orelha, e bateu-lhe na cabeça com o dedal.
- Hás-de dizer-me porque fizeste isto ao pobre animal.
- Porque tive dó dele, que não tem nenhuma tia.
- Não tem nenhuma tia! O que tem uma coisa com a outra, meu estúpido?
- Tem muito. Se tivesse uma tia, já a esta hora ela o teria queimado, já lhe teria assado as tripas, tal e qual como se ele fosse gente.
A tia Polly sentiu remorsos, pois isto acabava de pôr o caso de outro modo; o que era cruel para um gato podia perfeitamente ser cruel também para um rapaz.
Estava agora arrependida e menos zangada. Com os olhos cheios de lágrimas, pôs a mão na cabeça de Tom e disse com brandura:
- Procedi assim na melhor das intenções, Tom, e o remédio fez-te bem.
Tom olhou para ela com um sorriso quase imperceptível e respondeu: - Eu sei, tia, e «também» foi na melhor das intenções que o dei a Peter.
A prova de que o remédio «também» lhe fez bem a ele, é que nunca o vi como hoje.
-Vai-te daqui, Tom, vai-te daqui antes que me apoquentes mais. Vê se és bom rapaz, ao menos por uma vez, e se não precisas tomar mais remédios.