Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 12: XII Pág. 143 / 519

- Ah! - disse o doutor no fim da libação. - Não te arrenegues, Clemente, que não és mau rapaz afinal. Estás muito soberbo com a tua regedoria, mas isso há-de passar-te. Ora agora fica sabendo que na quinta do Cruzeiro, desde tempos imemoriais, encontra asilo quem aí se acolher.

- Mas o senhor sabe que a lei pune a quem der esconderijo a um refractário. Parece-me que um doutor não pode deixar de saber estas coisas.

- A lei diz muita coisa que todos nós sabemos; mas deixa lá a lei, que está quieta.

- Mas se o Sr. administrador ordenar uma busca na casa...

- Que veja se se mete nisso - acudiu o abade, sorrindo ameaçadoramente.

- Tem direito para o fazer - questionou Clemente.

- Pois que se contente com o direito.

Clemente ia-se irritando.

- Mas é preciso pôr cobro a isto, meus senhores. Não se pode sofrer que em tempos de leis e de autoridades haja uma casa onde nem lei, nem autoridade entram.

- Pois tenta, ó Clemente; quando te sentires de pachorra, manda-nos lá o exército dos teus cabos e comanda o assalto. Ah! ah! ah! Havia de ter graça!

- Pelos modos por que vejo irem as coisas, não direi que se não chegue um dia a isso.

- Hei-de gostar de ver.

- Pois eu não. Os meus desejos eram que todos vivessem em paz e sossego. E o que me custa é que partam os maus exemplos donde deviam vir os bons.

- Ora sabes que mais, Clemente? - ponderou o padre. - Dou-te de conselho que não puxes demais pelo fiado. O mundo é assim em toda a parte, rapaz; e é preciso fazer a vista grossa para certas coisas. As leis são boas, mas não há remédio se não sofrer de quando em quando que não as cumpra quem está no caso de ter vontade.

- Mas a vontade tira-se, se as autoridades forem o que devem ser.

- Viva, Sr. regedor!

- Digo isto, Sr.





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