I A tradição popular em Portugal, nos assuntos de história pátria, não se remonta além do período da dominação árabe nas Espanhas.
Pouco ou nada sabe o povo de celtiberos, de romanos e de visigodos. É, porém, entre ele noção corrente que, em outros tempos, fora este país habitado por mouros, e que só por força de cutiladas e de botes de lança os expulsaram os cristãos para as terras da Mourama. Os vultos heróicos de reis e cavaleiros nossos, que se assinalaram nas lutas dessa época, ainda não desapareceram das crónicas orais, onde vivem iluminados por a mesma poética luz das xácaras e dos romances nacionais; e hoje ainda, nas danças e jogos que se celebram nos lugares públicos das vilas e aldeias, por ocasião das principais solenidades do ano, apraz-se a memória do povo de recordar os feitos daqueles tempos históricos por meio de simulados combates de mouros e cristãos.
Nos contos narrados em volta da lareira, onde nas longas noites de serão se reúne a família rústica, ou às rápidas horas de uma noite de estio, na soleira da porta, ao auditório atento que segue com os olhos a Lua em silenciosa carreira por um céu sem estrelas, avulta uma criação extremamente simpática, a das mouras encantadas, princesas formosíssimas que ficaram desses remotos tempos na Península, em paços invisíveis, à espera de quem lhes vinha quebrar o cativeiro, soltando a palavra mágica.
Fala-se em diversos pontos das nossas províncias, com a seriedade que é própria a uma arreigada crença, de tesouros enterrados, que os mouros por aí deixaram, na esperança de voltarem um dia a resgatá-los, e já não têm sido poucas as escavações empreendidas no ávido intuito de os descobrir.
Esta mesma noção histórica do povo é a que dá lugar a um outro frequente facto.