IX Duram pouco as efusões, dissipa-se em breve o entusiasmo dos primeiros instantes em que tornamos a ver cenas e pessoas conhecidas, de que por muito tempo vivemos separados. A alma, de súbito agitada, readquire gradualmente a serenidade do costume; e o coração, que julgava saciar enfim a ânsia de mal definidos gozos em que continuamente vive, conhece que ainda não chegou essa hora; porque o invadem de novo essas vagas e inquietadoras aspirações que sentia.
É grande a alegria do regresso, mas rápidos os momentos em que se experimenta na sua intensidade. Chegou-se de longe a fantasiar um prazer perdurável, sem fim e, após as primeiras e irreprimíveis expansões, desvanece-se a ilusão em que se vinha; como sempre, como em toda a parte, o vazio sente-se no coração, que nenhum gozo enche, e aí se volta a aspirar sem saber o quê, e a aguardar uma nova aurora sem saber donde.
Quando, à noite, Berta se retirou enfim ao seu antigo quarto, havia já satisfeito a sede de afectos e de saudades que a devorava ao chegar.
O coração batia-lhe com o ritmo normal, habituara-se de novo a sua sensibilidade aos objectos que lhe foram familiares na infância; da impressão que o primeiro olhar que lançou sobre eles lhe produzira, já nem indícios restavam.
O passado, ressuscitando, perdera já o prestígio e a poesia que só como passado tem.
Ó feiticeiras fadas, que nos acompanhais quando por longe andamos, devorados de saudades, a lembrar-nos da terra em que nascemos, porque tão depressa nos abandonais à chegada? Porque dissipais os valores inebriantes de que rodeáveis aquelas imagens aos nossos olhos fascinados, e nos fazeis ver a realidade como a víamos dantes?
Berta, só no remanso e solidão do seu quarto, sentiu uma profunda melancolia tomar-lhe o coração.