III Tomé da Póvoa era o tipo mais completo de fazendeiro que pode desejar-se.
«Alma sã em corpo são»: esta frase do poeta é a que descreve melhor o homem; no físico, a força e a saúde em pessoa; no moral, a honradez e a alegria.
Enquanto houvesse alguém que trabalhasse em casa não descansava ele. Delícias do sono de madrugada, atractivos das sestas, a tudo resistia com nunca desmentida coragem. Na abastança conservava os costumes laboriosos de tempos mais árduos. Tudo lhe corria pelas mãos, a tudo superintendia. Antes de almoçar já ele havia passado revista à Herdade toda. No decurso do dia montava a cavalo e lá ia inspeccionar uma ou outra propriedade mais distante, que não deixava entregue à discrição dos caseiros. Uma ou duas vezes no mês estendia as suas excursões até ao Porto, chamado por negócios relativos à lavoura.
Franco, liso de contas, pontual nos pagamentos, cavalheiro nos contratos, não se lhe limitava o crédito à circunscrição da sua aldeia, estendia-se até à cidade, onde o seu nome era melhor garantia em certas transacções do que o de muitos faustosos negociantes. Em família, perfeitamente patriarcal, estremecia a mulher e os filhos; e a lembrança de que para eles trabalhava iludia-lhe as fadigas e os desalentos.
Quando Jorge se dirigiu à Herdade, presidia ainda Tomé aos diversos trabalhos em que a sua gente andava ocupada naquela manhã.
Não havia ali braços quietos, nem movimentos inúteis. Naquelas casas o trabalho não distingue sexo nem idade. Todos, desde a infância, se familiarizam com ele. Dá-se o mesmo que se dá com o trato dos bois; somente na cidade é que estes possantes e bondosos animais metem medo às mulheres e às crianças; na aldeia umas e outras os afagam e dirigem.
Assim, pois, trabalhava-se, falava-se, ria-se e cantava-se com alma nas eiras e quinteiros da Herdade.