XXVI Clemente, o filho da Ana do Vedor, que nos tem andado longe da vista desde a primeira vez que o encontrámos, estava destinado a influir na sorte dos principais personagens desta história; convém portanto que outra vez o chamemos mais para a luz.
Sabemos já que a vida pública deste bem-intencionado rapaz não era isenta de espinhos. As resistências e estorvos que se opunham à carreira direita que o seu vivo sentimento de justiça lhe traçara, deixavam-lhe íntimos desgostos e turbavam-lhe a bucólica serenidade dos seus dias.
Embora às iniquidades que observava fosse estranha a sua vontade e a sua cooperação; embora a consciência lhe não exprobrasse uma única infracção voluntária das leis, que religiosamente acatava, ainda assim, como todas as almas bem formadas, Clemente tinha motivos de sobra para lhe amargurarem o coração generoso e leal, vendo de perto a parcialidade e as paixões más que presidiam a distribuição da justiça pelas mãos dos seus superiores e os privilégios que faziam desviar a balança da horizontalidade com que ele sonhara.
Todos os caracteres nobres não adquirem, sem doloroso aprendizado, a desconsoladora ciência que se chama cepticismo. Cada ilusão que se desvanece é um golpe fundo no mais sensível da alma, e os conflitos da vida social deixam feridas que só lentamente cicatrizam.
Clemente estava neste caso. Modestas como eram, as suas funções civis tinham-lhe aberto os olhos para muitas coisas obscuras e desenvolvido no espírito um fermento de descrença.
Assustado com o que sentia, temendo saber mais e ser obrigado a operar como instrumento passivo em iniquidades que lhe repugnavam, Clemente sentiu o desejo de se acolher à vida privada, onde não lhe chegasse aos ouvidos o rumor das injustiças humanas.