XXX Aumentava de dia para dia a influência de Berta sobre o ânimo de D. Luís. Todas as manhãs desafiava as primeiras alegrias do enfermo o sorriso com que Berta lhe entrava no quarto, sorriso que parecia iluminá-lo mais do que os matutinos raios do Sol.
Sob a benéfica acção daqueles desvelos femininos, sentia o desconfortado doente um renascer de vida; voltava-lhe o apetite perdido, revigoravam-se-lhe os membros extenuados, corria-lhe nas veias mais vivificado sangue que o desalento empobrecera, e aquela mesma negrura de pensamentos, que o assombrava, parecia clarear-se progressivamente.
Berta fizera-lhe já esquecer Gabriela. Era mais assídua à cabeceira do seu leito, mais exclusivamente devotada àquela obra de consolação, mais perspicaz em adivinhar-lhe os desejos, mais carinhosa na maneira de satisfazê-los, e a ingenuidade quase infantil das suas conversas tinha mais seduções para o fidalgo do que todas as galas de espírito com que a baronesa sabia temperar as suas.
As horas, que tão longas e fastidiosas se sucedem na vida do doente, passavam para ele rápidas e despercebidas, preenchidas pela companhia de Berta.
A vê-la trabalhar a seu lado, a ouvi-la falar de Beatriz ou a conversar no mais trivial assunto, a seguir-lhe com a vista os movimentos fáceis que lhe recordavam a filha, a escutar pela voz dela a leitura dos livros de imaginação a que a baronesa o habituara, D. Luís esquecia o tempo e os ponderosos motivos da sua usual melancolia. Um dia manifestou desejos de ouvir Berta tocar.
Na manhã seguinte a harpa de Beatriz era transportada para junto do leito do doente, e sob os dedos de Berta o mágico instrumento, que serenava as furiosas alucinações de Saul, provocou mais uma vez a sua eficaz influência moral.