XII Clemente, o filho único da vigorosa matrona que tão desenganadamente falava a Maurício, era um sincero rapaz aldeão, de espírito pouco desenvolvido, mas de excelente índole.
Tinha uma fisionomia vulgar, destas que fogem da memória, porque nem as fixa um vislumbre de inteligência que acentue alguma feição predominante dela, nem o cunho de estupidez que as assemelhe a caricaturas.
Só na boca e nos olhos é que havia um jeito revelador da natural bondade daquele carácter; o mais nada exprimia.
Clemente aceitara com certo desvanecimento o cargo de regedor, e exercia-o com a imparcial inteireza que deve ter o magistrado.
Não obstante o génio brando de que era dotado, ousara arcar, no desempenho de seus deveres, com os privilegiados da terra, que ainda não haviam perdido de todo os hábitos de sobranceria e de desprezo às leis adquiridos por seus ascendentes nos tempos das regalias feudais.
Clemente era supersticiosamente acatador do código administrativo, e este fervor de funcionário dava-lhe coragem para a luta, aliás muito contrária à sua índole pacífica e conciliadora.
Por vezes sofreu pelo seu muito amor de justiça. Julgou ele, com simpática ingenuidade, que os superiores o conceituariam tanto melhor quanto mais exacto e imparcial ele fosse no cumprimento dos seus deveres; com funda e amarga dor de coração viu pois que, tendo arrostado com as sanhas de alguns fidalgos, cujas ilegais franquias procurara fazer cessar, o administrador, que sabia teorizar muito melhor do que ele sob o tema de emancipação do povo, dos direitos do homem e da igualdade perante a lei, mas que também sabia quebrar na prática as quinas e os ângulos agudos às suas teorias, tomava o partido dos fidalgos, e censurava asperamente em ofícios o procedimento do regedor.