XX Enquanto frei Januário conferenciava com Jorge e com a baronesa sobre a maneira de melhor harmonizar a vontade e as ordens expressas do fidalgo com os interesses da casa e com a comodidade pessoal de sua reverendíssima, D. Luís, a quem desde a véspera uma impaciência nervosa não deixava repousar ainda, e que não pudera conformar-se aos seus novos hábitos de vida, saiu do quarto e veio passear agitado e meditativo na vasta sala da entrada, de cujas paredes o contemplavam sisudos os velhos retratos da família.
Não vergava sob uma ideia única e exclusiva o espírito do velho fidalgo, perdia-se no redemoinhar de ideias diversas e antagónicas, que umas às outras disputavam. Saudades, terrores, despeitos, desalentos e até remorsos dos seus passados ódios e vinganças eram os demónios perseguidores e implacáveis, cujo voltear fantástico, rápido como o de um círculo de feiticeiras, quase lhe alienava a razão, ferindo-a de vertigem.
D. Luís envelhecera ultimamente de uma maneira rápida. De encontro à sua organização robusta, quebrara-se por muito tempo a força da corrente dos anos e amortecera a violência dos embates da adversidade, sem que ele experimentasse a leve vacilação que preludia à queda. Porém, desde o momento em que se manifestaram os primeiros sinais de fraqueza, o progresso na declinação foi rápido, e de dia para dia sentia-se desfalecer aquele corpo vigoroso e aquele espírito enérgico.
A manhã estava sombria, o céu carregado, e a chuva miúda, contínua, persistente, sem vento que a agitasse, e ainda mais desesperadora por isso; porque um dia de Inverno sem vento é como a tristeza sem a explosão das paixões, perde-se a esperança de o ver terminar.
A sala em que D. Luís passeava era a menos confortavelmente mobilada de toda a casa; o alto fogão, que ocupava o espaço de duas janelas, jazia apagado, frio, e conservando apenas, como memória da vida que já o animara, as cinzas sem calor.