XXIII A impaciência de D. Luís tocara o extremo. Em vão procurava aparentar resignacão e conformidade à sua nova vida nos Bacelos. Os laços que o prendiam às velhas paredes da Casa Mourisca eram mais fortes do que julgara ao separar-se delas. Estava-o sentindo pelo mal-estar que experimentava agora.
Todos os objectos da antiga residência, que tão precipitadamente abandonara, pareciam ocupar um lugar no seu coração; e o vazio em que o deixaram era terrível para uma velhice já sem esperanças.
A corrente daquela vida, ainda que turvada pelas paixões, seguia desde muitos anos regular e silenciosa pelo álveo e margens invariáveis. De repente, porém, como sucede às águas de súbito constrangidas a mudar de leito, perdeu a serenidade melancólica, a calmante monotonia, tão salutar a um espírito atribulado; e através de novas perspectivas e de novas cenas precipitava-se inquieta e turva.
Recrudesceram violentamente as torturas daquela alma exagitada, como despertam as dores de um membro enfermo ao arrancar-se da quietação e repouso em que adormeceram.
Em certa idade, as diversões não distraem, afligem. Vive-se do passado, e, para que o pensamento o retrate, é mister que o remanso lhe dê a limpidez do lago tranquilo.
Só o orgulho e o pundonor de fidalgo é que impediam D. Luís de voltar de novo aos lares abandonados.
Esta disposição de espírito era insustentável.
Uma manhã viram-no, mais nervoso do que nunca, medir a passos largos o comprimento da maior sala do solar dos Bacelos, parando às vezes junto das janelas a olhar abstracto, através dos caixilhos das vidraças, para as franças das árvores mais distantes que dali se descobriam, entre as quais avultavam as do parque da Casa Mourisca. De súbito interrompeu uma destas mudas contemplações, manifestando que lhe aparelhassem o cavalo para de tarde.