XV Em uma das seguintes madrugadas foi Jorge sobressaltadamente acordado pelo velho jardineiro, que, depois das últimas reformas, estava empregado no serviço interno da casa. O homem tinha uns ares de espantado, como se viera a comunicar a notícia de um incêndio.
- Que temos? - perguntou Jorge, sentando-se inquieto no leito.
- É que não tarda aí a Sr.ª baronesa. Já estão lá em baixo umas bagagens e uns criados, e... não está nada preparado.
- Cuidei que era outra coisa. E o que querias tu que estivesse preparado?
- Ora pois então?! Sempre é uma pessoa... Lá o padre já deu ordem para se ir pedir a baixela aos...
- Não se pede coisa alguma. Aí principia o frei Januário a fazer das suas. Diz-lhe que deixe tudo ao meu cuidado. Que não se estafe, nem aflija, que não é necessário.
- Mas... olhe lá, Sr. Jorge! O fidalgo mesmo não há-de gostar...
- Faz o que eu te digo. Isso em ti, a falar a verdade, até me admira. Não parece franqueza de soldado. Para ocultar aos olhos de minha prima a nossa pobreza, que não é vergonha nenhuma, querias que fosse descobrir às famílias que têm baixelas a nossa vaidade, que essa, sim, seria uma vergonha? Não estou resolvido a fazê-lo.
O velho meneou a cabeça por algum tempo, e acabou por dizer:
- Parece-me que tem razão, Sr. Jorge, como sempre. Ai, se nesta casa todos tivessem tido o seu juízo, ela não chegaria ao estado a que chegou. Lembro-me agora de quando o imperador...
- Deixa o caso para outra ocasião. Vai arranjar, como puderes, essa gente e essas coisas todas, enquanto eu me visto e preparo para ir receber a prima...
O velho criado obedeceu com presteza militar.
Meia hora depois ouviam-se tilintar as campainhas dos machos da liteira em que vinha a baronesa.