VIII Sucederam-se muitos dias sem que na vida dos diferentes personagens, que já temos apresentado ao leitor, ocorressem incidentes dignos de menção.
Maurício permanecia na aldeia, e vivia nela a mesma vida que até ali, porque não se obtivera ainda da prima baronesa a resposta à carta de D. Luís.
Apesar da energia com que vimos aquele rapaz abraçar os nobres projectos do irmão, exige a verdade que se diga que ele sofria com demasiada resignação as delongas da empresa, na parte que lhe dizia respeito, e continuava a distrair-se como dantes em passeios, caçadas e aventuras galantes. Estava-lhe isto no carácter.
Jorge, esse deitara-se de corpo e alma ao trabalho. Estudava no gabinete, discutia nas conferências com Tomé, e principiara já a realizar reformas e melhoramentos, prometedores de vantagens futuras.
Os capitais agenciados pelo fazendeiro haviam já permitido libertar a casa de muita usura e encetar em uma das melhores propriedades do antigo morgado trabalhos agrícolas mais activos e metódicos; viam-se já por lá as enxadas e os arados revolverem a terra e desarreigarem as ervas estéreis; já se podava e enxertava nas vinhas e pomares quase bravios, aproveitavam-se as águas, fertilizava-se o solo, sentia-se renascer aquela natureza amortecida, como se entrasse na convalescença de uma longa enfermidade.
Frei Januário presenciava aqueles prodígios com espanto e despeito, murmurando dos gastos loucos em que o rapaz se metia.
- Muito havemos de rir afinal - dizia ele. - Entradas de leão; agora as saídas…
Não comunicava porém as suas reflexões ao fidalgo, porque tinha medo de Jorge.
D. Luís, que em um dos passeios que costumava dar a cavalo, acompanhado de escudeiro à distância marcada pela velha pragmática, teve ocasião de observar esses melhoramentos, sentiu um íntimo prazer, sabendo que aquela fazenda era agricultada por conta da casa.