XIV Jorge, que ultimamente era menos assíduo em casa de Tomé, sem que este pudesse atinar com a razão do facto, recebeu, na tarde daquele mesmo dia, um bilhete do fazendeiro, pedindo-lhe que o procurasse na Herdade às horas do costume. Jorge não faltou.
Tomé da Póvoa recebeu-o com modos menos desenleados do que os que lhe eram habituais, e com ares de misteriosa preocupação conduziu-o a um gabinete mais retirado da casa, cerrando a porta depois que entraram com excepcional cuidado.
Jorge seguia-lhe com estranheza os movimentos.
Tomé, com um gesto denunciador do esforço que naquele momento fazia sobre si próprio, entrou no assunto com visível repugnância:
- Sr. Jorge, - principiou ele - sei que é meu amigo, e que tem o juízo e a prudência de um homem feito, apesar de novo como é; por isso vou falar-lhe com a franqueza de um homem de bem e de um amigo.
- Nem o Tomé sabe conversar de outra maneira. Diga.
- Pois bem. A coisa é esta... Eu antes queria não falar nisto, mas... enfim... se o negócio há-de ir a mais... e suceder por aí alguma desgraça... enfim... a tempo é que é evitar o mal; quanto ao depois...
- Mas de que se trata?
- Sr. Jorge. É um pai que lhe fala. Tenho uma filha e enfim preciso de vigiar por ela, enquanto não tem marido que a zele e proteja... não é verdade?
Jorge não pôde ouvir sem se perturbar estas palavras, e, interiormente inquieto, sem bem saber porquê, murmurou:
- Decerto mas...
- Ora bem. O Sr. Jorge é rapaz sisudo e pacato, mas enfim sempre há-de saber o que são dezoito, dezanove ou vinte anos, hem? Pode-se ter o juízo muito claro, ver as coisas como elas são, mas... isto de sangue novo... parece que ferve, e depois é como uma doença e como uma febre, a cabeça desaranja-se e não há conselhos que a consertem.