V Jorge continuou no seu quarto a série de meditações com que trouxera ocupado o espírito toda a manhã. Abria alguns livros, consultava-os com atenção, afastava-os depois com impaciência, porque raros pareciam responder cabalmente às mudas interrogações que ele lhes dirigia.
A biblioteca da Casa Mourisca era na maior parte composta de livros próprios para a cultura do espírito, mas sem definida tendência para uma aplicação prática qualquer.
Jorge tinha o gosto bem-educado e não era indiferente às obras de pura arte; mas desta vez dominava-o uma ideia fixa, um ardente desejo de se instruir nos preceitos positivos de economia rural, e nos conhecimentos necessários para a realização da grande obra em que meditava. Algumas aritméticas, um ou outro raro folheto de agricultura e poucos números soltos de jornais estrangeiros, foi tudo quanto pôde encontrar e que consultou, sem que o satisfizessem as noções rudimentares que neles lia. A pequena livraria do tio, à qual devera grande parte dos seus avançados princípios sociais, estava já esgotada por ele; além de que não abundava em livros de índole verdadeiramente didáctica.
Depois de ter folheado por algum tempo todas essas brochuras, Jorge fechou os olhos, como para concentrar o espírito, e resolver só por ele os problemas cuja solução em vão procurara na leitura. E a razão de Jorge era poderosa bastante para o servir no empenho; colheu dela mais frutos do que das páginas dos livros elementares que ansiosamente consultava.
A estas cogitações veio enfim arrancá-lo a chegada de Maurício, já quase ao fechar da tarde.
Maurício, logo que transpôs a porta, arremessou o chapéu sobre a mesa com certa vivacidade de movimentos, que traía uma profunda agitação. Atravessou silenciosamente o quarto com passos apressados, sentou-se, ou antes, deixou-se cair sobre uma cadeira, e correu a mão por a fronte, sacudindo para trás os cabelos com um movimento febril.