Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 33: XXXIII Pág. 452 / 519

E então por que hesita? Se não tem confiança em Berta...

- Hesita e deve hesitar, sim senhor. Pois que vem cá a ser esses impossíveis? Olha agora a coisa do outro mundo que o Sr. Jorge case com a Berta da Póvoa!

Jorge encolheu os ombros, sorrindo melancolicamente.

A Ana do Vedor, interpretando mal aquele sorriso, insistiu com mais acrimónia:

- É como eu digo. Ai, os escrúpulos então são só para quando muito bem lhes parece? Os impossíveis vêm só ao atar das feridas? Não que ele não há mais. Tem um pobre homem uma filha, para quem deseja encontrar um marido trabalhador e honesto, que lhe sirva de arrimo; e vai senão quando aparece um fidalguinho que principia a olhar para a rapariga e a fazer-lhe gaifonas e a meter-lhe teias de aranha na cabeça, e ela, coitadinha, deixa-se ir e prende as asas na rede; é então que o menino-bonito se lembra dos impossíveis e a deixa; e por muito favor cede-a a um rapaz honrado que a estima com lisura e com as melhores intenções de fazer dela sua mulher, mas a quem ela já não pode dar o coração, porque o outro lho roubou. E diga-me uma coisa, ficava bem a este rapaz aceitar para mulher a rapariga que lhe diz que deu a outro o coração? Para que quer um homem em casa uma mulher sem coração, não me dirá vossemecê?

Jorge ouviu cada vez mais triste e pensativo as recriminações da ama. Dir-se-ia que algumas daquelas palavras lhe feriam o coração de remorsos, como nelas sentisse o que quer que fosse verdadeiro; ao mesmo tempo protestava-lhe também contra a acusação a consciência, que não o havia acusado tão severamente.

Olhando com gesto melancólico para a mãe de Clemente, que, levada pelo impulso da sua eloquência, ia aumentando de severidade, Jorge disse-lhe com placidez:

- Tem razão em parte no que diz, ama, porém creia que trabalhei deveras para vencer isto em mim.





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