Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 36: XXXVI Pág. 497 / 519

Se é isso que quer dizer, tem razão. E oxalá que todas as nossas damas pudessem dizer o mesmo de si. Fique sabendo que não seria ela que ocupasse mal o seu lugar na Casa Mourisca. Fique sabendo isto. O quarto de minha filha a poucas o franquearia eu com melhor vontade do que a ela, que parece ressuscitar-ma. Para ser nobre não basta ser do Cruzeiro ou de Ribeira-Formosa. O Cruzeiro é um ninho de bêbados e a Ribeira-Formosa uma gaiola de parvos. A ter de escolher entre essa gente sem dignidade aquela que de origem obscura lhe dá todos os dias lições de deveres, decerto não hesitaria, nem iria entre a primeira procurar noiva para meu filho. Como se formam as famílias nobres? São todas da mesma época? É claro que não. Houve tempo em que umas já eram nobres e outras não o eram; mas por um feito ilustre e verdadeiramente nobre um homem obscuro destas últimas mereceu que as primeiras o chamassem a seu grémio, partilhando com ele o dom que já possuíam. Pois, bem, também nós hoje podemos fazer o mesmo que nesses antigos tempos se fazia, e chamar a nós os espíritos fidalgos, que os há fora do nosso grémio; e assim pudéssemos também expulsar dele os espíritos plebeus que por cá temos!

D. Luís, levado pela força da reacção, ia mais longe do que quisera. Por pouco estava advogando ideias manifestamente democráticas. O padre estava estupefacto, como se assistisse a um cataclismo. A própria Gabriela não esperava ouvir expender tais ideias a seu tio. Ainda que percebesse que a irritação que dominava o doente fosse a principal causa inspiradora naquela defesa acalorada, ainda assim lhe dava importância. As últimas palavras de D. Luís, a espécie de raciocínio com que pretendera justificar a possibilidade de alianças desiguais, realizadas certas circunstâncias, davam-lhe a entender que ele já consigo próprio previra a eventualidade e procurava argumentos que porventura a justificassem.





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