Quando, no centro de qualquer aldeia, se eleva um palácio, um solar de família, distinto dos edifícios comuns por uma qualquer particularidade arquitectónica mais saliente, ouvireis no sítio designá-lo por o nome de Casa Mourisca, e, se não se guarda aí memória da sua fundação, a crónica lhe assinará infalivelmente, como data, a lendária e misteriosa época dos mouros.
Era o que sucedia com o solar dos senhores Negrões de Vilar de Corvos, que, em três léguas em redondo, eram por isso conhecidos pelo nome dos Fidalgos da Casa Mourisca.
Não se persuada o leitor de que possuía aquele solar feição pronunciadamente árabe, que justificasse a denominação popular, ou que mãos agarenas houvessem de feito cimentado os alicerces da casa nobre denominada assim. Às pequenas torres quadradas, que se erguiam, coroadas de ameias, nos quatros ângulos do edifício, ao desenho ogival das portas e janelas, às estreitas seteiras abertas nos muros, e finalmente a certo ar de castelo feudal, que um dos antepassados desta fidalga família tentou dar aos passos de sua residência senhoril, devera ela a classificação de Mourisca, que persistira, apesar dos protestos da arte. Nenhum estilo arquitectónico fora na construção escrupulosamente respeitado; o gosto e capricho do proprietário presidiram mais que tudo à traça e execução da obra; não há pois exigências artísticas que me imponham a obrigação de descrevê-la miudamente.
Diga-se porém a verdade; fossem quais fossem os defeitos de arquitectura, as incongruências e absurdos daquela fábrica grandiosa, quem, ao dobrar a última curva da estrada irregular por onde se vinha à aldeia, via surgir de repente do seio de um arvoredo secular aquele vulto escuro e sombrio, contrastando com os brancos e tristonhos casais disseminados por entre a verdura das colinas próximas, mal podia reter uma exclamação de surpresa, e involuntariamente parava a contemplá-lo.