Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 1: I Pág. 12 / 519

passava a vida aproveitando os mais ridículos ensejos para premissas dos seus corolários antiliberais, artifício com que lisonjeava as paixões do seu ilustre amo e patrono, e mantinha nele o fogo sagrado.

O padre achava-se bem naquela vida monótona, que exercia sobre si os mais notáveis efeitos analépticos. Podia dizer-se que ele dividia ali o tempo entre duas ocupações exclusivas: comer e esperar com impaciência as horas da comida.

Uma única circunstância assombrava os dias do padre. Era a presença na Casa Mourisca do hortelão em quem falámos, e que mantinha com ele uma aberta hostilidade. Frei Januário exasperava-se sempre que o ouvia falar no Imperador e no cerco e nos voluntários da Rainha e na Carta, com o entusiasmo e a ênfase de um soldado daqueles tempos. Por vezes, rompiam ambos em cenas violentas; por vezes, o capelão ia aconselhar ao fidalgo a demissão daquele homem, que ameaçava infectar de liberalismo a família inteira.

D. Luís, porém, apesar de nunca falar com o hortelão, não atendia nestas reclamações o padre. Conservando no seu serviço o veterano, satisfazia a um pedido da esposa, e não teria coragem para fazer o contrário. Assim perpetuavam-se os conflitos entre os dois, porque nem o procurador suportava as rudes franquezas do soldado, nem este os remoques encapotados do procurador.

Tal era a situação da família da Casa Mourisca na época em que vai procurá-la a nossa narração.

Já se vê quão mal assegurado andava o futuro dos dois jovens filhos de D. Luís. A educação que eles haviam recebido não tendera a fim algum prático.

D. Luís não podia sofrer a ideia de dar a seus filhos uma profissão. A nobre carreira das armas, que mais lhes conviria, estava-lhes fechada pelas últimas evoluções políticas. Os descendentes dos ultramonárquicos Negrões de Vilar de Corvos não eram para se assalariarem em defesa dos princípios e das instituições que abalaram os velhos tronos, firmados no direito divino.





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