Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 1: I Pág. 11 / 519

E estas lágrimas eram a única repressão que o continha nos desvarios.

Pois até nesta filha feriu o Senhor o pobre ancião.

Criança mimosa, colheu-a um sopro da morte, ainda com o sorriso nos lábios, e prostrou-a exânime no túmulo.

Fez-se então deveras escuro no espírito do pai.

Quando aquela pequena fada doméstica desapareceu, como uma visão vaporosa em contos de magia, foi como que se todos ficassem em trevas. A vida era tão outra! O ente que absorvia os instantes daqueles três homens, a quem todos três tributavam os seus mais puros afectos e os seus pensamentos mais constantes, desparecera, e eles olhavam-se assustados, meio loucos, como se de súbito se lhes tivesse apagado a luz que os alumiava; sentiam a indecisão do homem, a quem no meio da estrada fulmina inesperada cegueira.

Passada a violência da primeira dor, em todos ficou a saudade, negra e concentrada em D. Luís, melancólica em Jorge, expansiva e veemente em Maurício; e para todos o nome de Beatriz, a recordação dos seus gestos, das suas palavras, era um talismã cuja eficácia nunca se desmentia. A alma daquele anjo assistia ainda à família, que o chorava, e à sua misteriosa direcção obedeciam todos sem o perceberem.

Morta aos dezasseis anos, Beatriz vivia ainda nos lugares em que habitara.

Há entes assim, cuja influência póstuma lhes dá uma quase imortalidade, à maneira da luz sideral, que continua a cintilar para nós depois de aniquilado o foco que a emitia.

O padre Januário tornou-se desde então a criatura indispensável e a companhia exclusiva de D. Luís, que via nele o único representante da sua antiga corte.

Acérrimo partidário do regime absoluto, apesar de não lhe ser possível enfeixar dois argumentos sérios em defesa dele, o padre Januário





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