Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 1: I Pág. 16 / 519

aos aveludados musgos, aos líquenes multicores, severas galas, com que se adornava a casa nobre, opunha a Herdade os pomares produtivos, as ondulantes searas, os prados verdes, as vinhas férteis, e, próximo de casa, os canteiros de rosas e balsaminas, onde volteavam incessantes as abelhas das colmeias vizinhas. Nas amplas cavalariças do palácio, onde outrora relinchavam dúzias de cavalos das mais apuradas raças, ainda batiam com impaciência no lajedo dois velhos exemplares de bom sangue, cujo sacrifício a economia não exigira ainda; nas mais modestas cavalariças do casal, duas éguas robustas, prontas para o serviço, e domáveis por uma criança, preparavam-se em fartas manjedouras para frequentes e longas excursões; e, ao entardecer, abriam-se os currais a numerosas cabeças de gado, cujos mugidos chegavam até ao alto da Casa Mourisca, onde o velho fidalgo muitas vezes os escutava, pensativo e melancólico.

Este contraste que apontamos era a circunstância que evocava no espírito de Jorge o espectro que o entristecia.

O dono da Herdade fora pobre, servira como criado na casa dos fidalgos, passara depois a rendeiro de um pequeno casal, mais tarde arrendara uma fazenda maior; chegando enfim a ser proprietário, tornara-se em pouco tempo possuidor de extensos bens, e era já o chefe de uma família numerosa e talvez o primeiro agricultor daquele círculo.

Porque prosperava a Herdade, e porque declinava o palácio? Se de tão pouco se chegara a tanto, como se podia cair de tanto em tão pouco?

Tais eram, em suma, as vagas reflexões que se assenhoreavam do espírito de Jorge, quando das janelas de seu quarto em umas das torres do palácio, ou do alto de alguma eminência, observava a animação, a vida da propriedade do seu antigo criado, e voltava depois os olhos para o vulto silencioso e como adormecido do velho paço dos seus maiores.





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