Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 1: I Pág. 15 / 519

ardente, carácter mais frívolo e volúvel, vivia a sua vida de jovem fidalgo de província, deixava-se ir na corrente dos seus amores fáceis, dos seus prazeres e das suas dissipações, alucinado por os sonhos e quimeras de uma fértil fantasia, e não profundava os olhos até o seio obscuro das realidades. A sua leitura era exclusiva de romancistas e poetas. Imaginação nimiamente inquieta, razão por indolência inactiva, não via, nem quereria ver o espectro que às vezes aparecia aos olhos do irmão.

Uma circunstância havia a que mais que a outras devia Jorge a aparição desse espectro, que, à semelhança da sombra do rei da Dinamarca, em Hamlet, ia exercendo uma funda influência no ânimo do adolescente.

Esta circunstância não era só para ele manifesta. Ao viajante que já supusemos parado a contemplar o vulto denegrido da Casa Mourisca não passaria ela também despercebida.

Na raiz da colina fronteira àquela onde o solar dos fidalgos erguia as suas torres ameadas, assentava o mais risonho e próspero casal dos arredores. Era uma completa casa rústica, conhecida por aqueles sítios pelo nome, que por excelência se lhe dera, de Herdade.

O contraste entre a Herdade e o velho solar era perfeito.

Ela graciosa e alvejante, ele severo e sombrio; de um lado, todos os sinais de actualidade, de vida, de trabalho, da indústria que tudo aproveita, que não dorme, que não descansa; a economia, a previdência, o futuro; do outro, o passado, a tradição estéril, o silêncio, a incúria, o desperdício, a ruína: a cada pedra que o tempo derrubava do palácio, correspondia uma que assentava na Herdade para alicerces de novas construções; aqui desmoronava-se um pavilhão, ali levantava-se um celeiro, uma azenha, um lagar; aos velhos carvalhos, às heras vigorosas,





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