Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 14: XIV Pág. 163 / 519

de surpresa em surpresa! Uns dias a seguir da janela do teu quarto o caminhar das nuvens, outros a errar à meia-noite por entre as sombras dos bosques! Em que havia de dar a aritmética!

- Cheguei há pouco. Abafava lá dentro. Vim para aqui esperar-te, porque desejava conversar contigo.

- O tom é grave e sério; é de crer que o assunto corresponda.

- Não te enganas. É bastante sério o que tenho para dizer-te.

- Penetremos então na sombra druídica deste bosque, para aumentar a solenidade da cena.

- Peço-te que deixes para outra ocasião as tuas observações joviais; repito-te que é sério o que tenho a dizer-te.

- Pois aqui me tens sério como o assunto. Fala.

Jorge guardou ainda por instantes silêncio. Sob os passos dos dois irmãos ouvia-se estalar as folhas secas que alastravam o chão.

- Maurício, - principiou Jorge afinal - Tomé procurou-me hoje para fazer-me um pedido.

- Hum! - atalhou Maurício com meio riso - não me enganei, previ logo que se tratava disso.

- De quê?

- Fizeram-te queixa de mim, não é verdade? Pintaram-me como um lobo voraz rondando e assaltando o curral da tenra ovelhinha, criada com tanto mimo e recato? E tu, na tua inexperiente imaginação de rapaz sério, viste logo um drama pavoroso em tudo isso e distribuíste-me nele o papel de tirano. Confessa que tudo isso é verdade.

- E estimaria bem que não fosse.

- É o que eu te digo. Olha, Jorge, eu sou mais novo do que tu, mas, vivendo mais da vida comum da sociedade, não estou tão sujeito a ver as coisas sob o colorido particular do prisma através do qual as vêem os que, como tu, trazem quase sempre o pensamento tomado por altas e abstractas especulações. Com a maior franqueza te confesso que Berta me agrada, que todos os dias procuro vê-la, que se lhe falo não perco tempo a dizer-lhe que o ano vai bom para colheitas ou que ontem esteve mais calor do que hoje; não tenho razões para supor que as minhas visitas a importunem.





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