Parecias-me ela. Ela era mais moça quando morreu, mas ultimamente tinha deitado corpo e... depois trazia um vestido dessa cor, e enfim... há tanto tempo que não via uma rapariga que se lhe assemelhasse... Sim, porque há muitas por aí, mas nenhuma ainda ma recordou como tu. É notável! A mesma cor de cabelo, a mesma estatura, certas maneiras e até o metal da voz... Não é verdade, frei Januário? É notável! A minha pobre filha! Como tu ma recordas, Berta, ai, como tu ma recordas!
- Não se aflija.
- «Não se aflija» era mesmo assim que ela me dizia; não que era mesmo assim. Pois não era, frei Januário? «Não se aflija». Se tu soubesses o que eu estou sentindo, Berta, se tu soubesses o que vão de saudades aqui dentro?
- Então não sei? Não era eu amiga de Beatriz também? O tempo mais feliz da minha vida não foi aquele em que a conheci? Inda ontem chorei ao reler as cartas que ela me escrevia.
- E ela escrevia-te?
- A última que tenho dela é datada de oito dias antes da sua morte.
- Pobre criança! E... e dizia-te o estado em que estava?
- Dizia; mas que fingia iludir-se para não afligir os seus.
- E era assim, era. Nunca se ouviu uma queixa daquela boca. Morreu a sorrir o pobre anjo.
E o saudoso pai quase soluçava ao avivar aquela permanente chaga do seu coração.
- Sr. D. Luís, - acudiu frei Januário - olhe que lhe faz mal estar a recordar essas coisas. O passado, passado. A noite está connosco e...
- É verdade! - atalhou Berta. - E eu a demorá-lo aqui! Faça favor de entrar, meu padrinho; a mãe anda lá para a quinta. Meu pai está para a cidade e julgo que só amanhã virá, mas...
Estas palavras recordaram a D. Luís o motivo que o trouxera ali. Chamaram-no à realidade da sua presente situação, afugentando as memórias do passado, melancólicas, mas suaves para o seu espírito.