Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 4: IV Pág. 48 / 519

- Sim, agora é o tempo das colheitas. Anda por aí tudo azafamado.

- Mas porque é, Sr. frei Januário, que nos campos da nossa casa não vejo o movimento dos outros?

A imprevista interpelação do adolescente ia entalando o padre.

- Causou-me sensação isto hoje - prosseguiu Jorge.

- Quem subir ao alto do outeiro da Faia, por exemplo, e olhar de lá, em roda de si, para o vale, pode marcar as propriedades da nossa casa; onde vir um campo quase maninho, um muro a cair, umas paredes negras, um aspecto de cemitério, tenha a certeza que nos pertencem esses bens.

- Não é tanto assim… É verdade que… meu rico filho, que quer? Depois que os homens do liberalismo tomaram conta deste país, as coisas mudaram. Quem não está por o que eles querem…

- Não vejo em que eles influam para isto, Sr. frei Januário. Quem nos impede de fazer o que os outros fazem? de cultivar os nossos campos? de pôr homens a trabalhar nessas terras incultas?

- O que os outros fazem, diz ele! Os outros… os outros… e quem são os outros? Uns miseráveis que eu conheci de pé descalço, a limpar os cavalos e a cavar nos campos desta casa.

- Tanto mais para admirar e para louvar o esforço que os tirou dessa posição humilde e os elevou àquela que hoje ocupam.

- Olhem que grande milagre! Homens que não devem respeito a si mesmos, para quem todo o trabalho está bem, como não hão-de enriquecer? Ora essa é muito boa!

- E os que devem respeito a si mesmos estão pois condenados à miséria?

- À miséria!… À miséria!… Que palavra! Ora para o que lhe deu hoje! Foi febre que se lhe pegou? Se ela anda por aí tão acesa! O menino ainda é muito criança para pensar nestas coisas. Coma e beba e…

As faces de Jorge tingiram-se de um rubor intenso, e redarguiu com energia e irritação:

- Não sou criança, frei Januário; acredite que o não sou.





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