O contraste entre este viver e o de Jorge era completo.
Jorge era o verdadeiro proprietário rural, repartindo os seus criados entre a cultura e a administração dos seus bens, e os afectos e direcção de sua família. Abandonara pouco e pouco os hábitos de fidalguia, em que fora educado, e contraiu outros puramente burgueses.
A sua iniciativa, esclarecida pela inteligência e mantida por uma forte energia de carácter, apontava um exemplo salutar aos proprietários vizinhos, que já se animavam a segui-lo. Graças a este exemplo terminavam muitos prejuízos, esqueciam práticas rotineiras, que ainda hoje tolhem o progresso à nossa agricultura, aventuravam inovações já abonadas pela experiência de países mais cultos, e a que se opõem entre nós a ignorância e a timidez que nasce dela.
A vida inteira de Jorge era uma eloquente e severa lição para os proprietários rurais, que vivendo longe dos seus bens, consomem nos desperdícios da corte as magras rendas que eles, longe da solicitude do dono, lhes concedem; deixam assim a pouco e pouco extenuar a terra e definhar-se a propriedade nas mãos de caseiros ávidos, que, tendo o futuro ligado a ela, a sacrificam ao bem do presente, que é o único com que podem contar.
Assim aprendessem nessa lição tantos que deveriam segui-la, e talvez que a riqueza do país se desentranhasse do solo, onde ainda está enclausurada, surgindo à luz para nos apresentar aos olhos de outras nações dignas da nossa época e do tracto de terra que ocupamos na Europa.
Pela sua parte, Jorge, realizando na propriedade a incorporação do capital, do trabalho e da inteligência, e mostrando até que ponto essa aliança é fecunda, podia bem dizer que havia cumprido a lenda da Casa Mourisca. Fora ele quem desenterrara do solo o tesouro escondido.