- Desprezar-nos! - repetiu, indignado, Maurício.
- Sim, sim; desprezar-nos! E senão repara. A nossa casa deve muito. Grande parte dos nossos bens estão hipotecados. O nome da nossa família não é já segura garantia nos contratos, e os empréstimos, que todos os dias os nossos procuradores contraem, são obtidos por um preço que em pouco tempo nos levará à miséria. Na aldeia todos sabem isto. Não queres pois que nos desprezem, ao verem-nos, rapazes de vinte anos, robustos, e com energia e inteligência, gastar ociosamente a vida e a juventude em passeios e em caçadas, olhando por cima do ombro para esses homens que talvez amanhã, autorizados por a lei, nos virão pôr fora das nossas casas e tomar posse delas? É acaso nobre este nosso proceder, Maurício? Esta cegueira com que vamos na corrente que nos arrasta ao precipício não merece pelo menos um sorriso de compaixão?
- Tu exageras, Jorge. Acaso teremos já chegado a tais extremos, que...
- Nem tu imaginas a que extremos temos chegado; mas ainda nos poderemos salvar se quisermos ser homens.
- E como?
- Mudando de vida, aplicando-nos deveras à restauração desta casa.
- Mas...
- Daqui a pouco tenciono procurar o pai e falar-lhe desenganadamente, pedir-lhe que me deixe olhar por mim próprio para a administração das nossas propriedades, que nas mãos de frei Januário caminham a uma perda certa.
- Mas que entendes tu de administração?
- Aprenderei. O interesse é um grande mestre. Não tiveram outro esses rústicos proprietários que por aí vemos enriquecer.
Maurício ficou pensativo.
A ideia do irmão parecia havê-lo ferido profundamente. Estava-lhe achando um sabor de poesia que lhe agradava. Porque Maurício, não tendo o carácter meditativo e o espírito analítico de Jorge, era nas coisas da vida guiado mais pela imaginação do que pela razão.