Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 16: XVI Pág. 198 / 519

Por fora e por dentro a mesma absoluta carência de confortos; porque não sentia a necessidade deles a robusta organização de qualquer dos proprietários, afeitos à vida dos montes, às longas caçadas e às lutas com os rigores do tempo. O solo árido, os celeiros vazios, a abegoaria deteriorada, os currais desertos, a cultura perdida... era desolador o aspecto do solar do Cruzeiro! Parecia havê-lo fulminado um daqueles tremendos anátemas de que rezam os livros santos, os quais feriam de esterilidade igual as entranhas da mulher e as entranhas da terra. Os pinhais, cortados sem método nem prudência, caíam sacrificados às penúrias monetárias do morgado, que ia a pouco e pouco transmutando em vinho toda a propriedade. As águas, vendidas para acudir a iguais urgências, abandonavam as terras à sede, que as fazia infecundas. Umas aparências de movimento agrícola que ainda se divisavam na quinta eram-lhe mais fatais do que benéficas, e podiam comparar-se ao fervedouro das larvas nas carnes em decomposição. Naquele vasto corpo que se decompunha, também se agitavam seres que viviam dos seus detritos.

Trabalhava-se ali para destruir e não para semear ou edificar. O desbarato com que os proprietários sacrificavam os seus bens atraía os ávidos vizinhos, como corvos sinistros em volta do cadáver exposto na estrada.

Era meio-dia, quando Maurício se apeou no espaçoso pátio da casa, onde reinava o silêncio das ruínas. Apenas se ouvia o latir de uma matilha encerrada nas lojas e impaciente por ir bater as matas e bouças. O aspecto que teria a vista de quem entrava era de uma propriedade inteiramente abandonada; ali apodrecia um arado inútil; além oxidavam-se os metais de inactivos instrumentos de lavoura; a água empoçada das últimas chuvas estancava, cobrindo-se de uma crusta esverdeada; as ortigas e parietárias vegetavam em plena liberdade nas junturas das lájeas e nos buracos das paredes.





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