Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 2: II Pág. 20 / 519

Os cães andavam inquietos a farejar por entre as urzes e as tojeiras do monte.

Interrompendo de súbito a recitação, Maurício prosseguiu:

- Mas que teima a tua em te mostrares frio ante estas magnificências! Que escrúpulos pode haver em declarar isto tudo admirável? Repara como é bem talhado aquele corte além, no monte; parece feito de propósito para deixar ver no plano posterior aquela povoação distante, que não sei que nome tem. E ali o campanário, com a sua alameda? Quem teria a feliz inspiração de o assentar tão bem? Onde é que ele ficaria melhor? Parece que andou um gosto de artista a dirigir estas coisas.

E acrescentou, suspirando:

- Aí, na aldeia, o cenário bem está, pouco tem que se lhe diga; mas os actores e a comédia que aqui se representa é que são de uma insipidez…

Os instintos urbanos de Maurício, cuja índole mal se acomodava à simplicidade campesina, e o fazia suspirar pela vida das capitais, arrancavam-lhe frequentemente destas exclamações.

Jorge, que escutara o irmão sob uma meia distracção e sem desviar os olhos da Herdade, replicou-lhe, sorrindo:

- Há quase uma hora que estou aqui, e posso jurar-te que não tinha notado uma só dessas particularidades da paisagem que descreves.

- Gostas mais da contemplação em globo. Até isso é de poeta. Analisar minuciosamente as impressões recebidas não é o seu forte.

- Enganas-te ainda; não era também o conjunto da paisagem que eu observava; mas um ponto limitado dela, muito limitado.

- Qual era então?

- Olha ali para baixo; a Herdade de Tomé, aquela azáfama, aquela gente toda a trabalhar, a vida que ali vai!

- Ora adeus! - exclamou Maurício - é justamente o que não me roubaria um momento de atenção. Não te estou a dizer que para mim o que há de insuportável no campo é a gente que o habita, a vida que nele se passa? Faz pena ver que espécie de contempladores tem a natureza para estas maravilhas.





Os capítulos deste livro