Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 2: II Pág. 21 / 519

A indiferença com que estes selvagens encaram tudo isto! Repara, vê aquele labrego passar lá em baixo na ponte; olha lá se ele desvia a cabeça para algum dos lados, ou se pára um momento para gozar do belo espectáculo que dali observa. Olha para aquilo! Selvagem! Pergunta ao Tomé ou a toda essa gente que lá anda em baixo a trabalhar quantas vezes admiraram as belezas de uma noite de luar, vista do alto do outeiro pequeno, ou se o pôr-do-sol lhes produz alguma sensação na alma, a não ser a lembrança de que vão sendo horas da ceia.

Jorge sorria ao ouvir o irmão, e tornou placidamente:

- Que homem este! A poesia precisa ter quem a entenda e quem a faça; e olha que nem sempre os que a entendem a fazem, nem os que a fazem a entendem. Esta pobre gente do campo é uma parte integrante dela; não o contemplam, completam-no. Que querias tu? Gostavas talvez mais que em vez dessa gente indiferente, que trabalha, estivessem por aí os montes, os vales e as ribeiras povoados de poetas contempladores como tu? Deves confessar que seria um campo bem ridículo esse. Se eu até, para que te diga a verdade, estou persuadido de que não encontraria encantos nos lugares muito visitados que há por as quatro partes do mundo, onde, a cada momento, apreciadores ingleses, franceses, russos e alemães passeiam, soltando exclamações poliglotas, e onde o nosso entusiasmo nos é prescrito a páginas tantas do Guia do Viajante. O que torna os lavradores poéticos é a inconsciência com que eles o são.

- Vistos de longe. Pelo menos concorda nisto; vistos de longe, e de muito longe.

- Vistos de longe, sim, que dúvida? como tudo o mais. Ao perto também muito desses prados são pântanos malcheirosos, que infectam, e mexe-se uma mirada de insectos repugnantes nessa verdura que tanto admira.





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