- Se prejudica? Ora essa! Adorna-a. Olha que bem que ele sai daquele fundo que lhe fazem os castanheiros!
- Muito bem, e contudo, visto de perto, há lá tristes e prosaicas realidades - observou Jorge, suspirando.
Ao olhar de estranheza com que, ao ouvir-lhe estas palavras, o irmão o fitou, Jorge correspondeu dizendo:
- Sim, Maurício, triste e prosaica realidade para quem o olhar de perto. Há nada mais triste do que aqueles campos invadidos pelas ortigas que nós lá temos, do que aqueles pomares maltratados, e aqueles celeiros em ruínas? Quererás encontrar poesia na nossa pobreza, Maurício?
- Pobreza?!
- Pobreza, sim; pois que nome lhe queres dar? Olha, compara o aspecto dessa casa branca de um andar, que aí fica em baixo, com o do nosso paço acastelado, a actividade daqueles homens com a sonolência crónica do nosso capelão; compara ainda, Maurício, compara a desafogada alegria de Tomé com a tristeza sem conforto do nosso pai.
Maurício curvou a cabeça, e uma como sombra de tristeza pairou-lhe algum tempo na fronte, habitualmente desanuviada. Dir-se-ia que pela primeira vez o vulto descarnado da realidade se lhe apresentava aos olhos, até então fascinados pelo fulgor de lisonjeiras ilusões.
Mas, depois de breves instantes de silêncio, respondeu ao irmão:
- Pois bem, será como dizes. Creio até que seja essa a verdade. A riqueza está ali, a pobreza do nosso lado; porém a poesia… oh! essa deixa-no-la ficar, que bem sabes que não é ela a habitual companheira da opulência.
- Da opulência ociosa, egoísta e inútil, decerto que não; mas da opulência activa, benéfica, que semeia, que transmite a vida em volta de si, da opulência que fomenta o trabalho, que cultiva os terrenos maninhos, que fertiliza a terra estéril, que sustenta, que educa e civiliza o povo, oh! dessa é a poesia companheira também.