Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 12: XII Pág. 138 / 519

Estas injustiças sociais principiavam já a inocular no ânimo leal e sincero de Clemente o cepticismo a respeito dos homens e a prepará-lo talvez para vir a ser uma autoridade menos irritável e da mais condescendente consciência; e, por consequência, mais ao agrado dos homens, não sei se diga práticos ou corruptos, que clamam contra a absoluta inflexibilidade dos princípios.

Achava-se o bom Clemente naquela desconsoladora fase de transição em que o funcionário novel principia a sentir que o deixa o ideal que concebera da sua identidade civil e que vai descendo pelo escorregadio pendor das condescendências mundanas para o nível onde redemoinham as turbas, que ao princípio fitara sobranceiro, de toda a altura da sua dignidade moral.

Triste época de desilusão e de desencantamento essa!

Clemente votava sincera afeição aos rapazes da Casa Mourisca, e sobretudo a Jorge, a quem cedera o seio de sua mãe.

Jorge nunca lhe dava motivo de colisão entre os seus deveres de regedor e os impulsos de seu coração.

Já não assim Maurício, que não era de todo inocente de certas infracções da lei e de desprezo pelo código administrativo, com que não poucos sonos tinha afugentado ao honrado rapaz.

Clemente desculpava Maurício, dizendo que eram as más companhias que o levavam àquilo, mas prometia não ceder a considerações se o encontrasse em flagrante.

Fosse porém acaso, fosse quase insciente propósito de amizade em não querer ver, é certo que nunca tal contigência se deu. Apenas por vagas denúncias lhe constava ter Maurício uma ou outra vez quebrado o defeso da caça, tomado parte em alguma rixa nocturna, quase sempre em companhia de seus primos, os fidalgos do Cruzeiro.

Estes, sim, estes eram os mais rebelões daqueles arredores.





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