Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 20: XX Pág. 258 / 519

Nas famílias como a minha há certas regras tradicionais de conduta que talvez pareçam estranhas a outras, educadas em hábitos diferentes, no que eu não tenho culpa...

- Entendo o que quer dizer, Sr. D. Luís. Foi acção de fidalgo a sua, e, por ser tal, eu, que nasci em palhas, não posso entendê-lo bem. Mas por que é que só comigo usa V. Ex.ª das tais acções? Por acaso fui eu o primeiro que emprestei dinheiro aos senhores da Casa Mourisca? Quando o padre procurador de V. Ex.ª andava por aí batendo de porta em porta a levantar dinheiro, não para o empregar em melhoramentos que, mais ano menos ano, pudessem remir a dívida, mas para o desperdiçar sem tom nem som, e obtinha esses capitais a 10, 12 e 15 por cento; quando ele lavrava hipotecas e arrendamentos vergonhosos e a gente de má-fé, que faziam dele o que queriam, o orgulho de V. Ex.ª nunca o obrigou a sair de sua casa, que se perdia nesse andar, e a ir pôr as chaves dela nas mãos desses usurários, que viviam à custa das tolices e dos desperdícios do padre; e agora então todo se espinhou porque eu, honestamente e sem má tenção, antes pelo muito amor que ainda tenho a esta família e a estes meninos que trouxe ao colo, pus à disposição de um deles, que é hoje um rapaz de juízo, o dinheiro de que precisava para se ir livrando da usura, que o roía até aos ossos, e emendar os erros da administração do padre! Só agora é que V. Ex.ª se sente ferido na sua fidalguia e sai da casa, em que vive há tantos anos, clamando que já não é sua. Isto é colocar-me abaixo desses miseráveis, a quem me pejo de apertar a mão. O contrato feito entre mim e o filho de V. Ex.ª é um contrato que não envergonha nem a mim nem a ele. Pode aparecer à luz do dia, e tenha a certeza de que não há-de haver muitos, mais de cavalheiros do que ele.





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