Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 20: XX Pág. 265 / 519

O benefício recebido das mãos dele seria pior castigo para D. Luís do que a perseguição mais cruel.

O fidalgo sentia-o no íntimo da consciência, e um pensamento, que nem as palavras ousaram formular, atravessou-lhe o espírito como a luz rápida do relâmpago.

- Terá razão este homem? Será inveja isto?!... Inveja!...

Passados momentos, pensava ainda:

- O que é certo é que é um homem honrado. Porque me irrito pois com o auxílio que vem dele?... Inveja!

E, perseguido por este grito da consciência, D. Luís correu a encerrar-se no seu gabinete, onde passou o resto do dia.

XXI

A violência das impressões que deixara em Tomé da Póvoa a entrevista com o fidalgo da Casa Mourisca não era para se desvanecer com o inquieto sono de uma só noite.

No dia seguinte, pela manhã, o fazendeiro acordou ainda indignado e firme na resolução que abraçara, de se vingar a seu modo. Nem o ânimo impaciente lhe sofria grande demora na execução.

Logo de madrugada principiou a dispor as coisas para naquele mesmo dia inaugurar a empresa. Deu contra-ordens a criados que tinham serviço talhado de véspera; foi mais expedito na visita quotidiana às diversas repartições do casal; afagou mais distraído a égua fiel, que lhe cheirava os bolsos, habituais portadores de uma lambarice matutina; deu um beijo nas crianças, sem se demorar a fazê-las saltar nos joelhos; mandou que lhe fizessem o almoço mais cedo; depois de almoçar calado, contra o seu costume, ergueu-se da mesa, ordenou que três criados se preparassem para sair com ele, levando alguns instrumentos da lavoura, e afinal acabou por pedir à mulher as chaves da Casa Mourisca.

Luísa, a boa, a prudente Luísa, que desde a véspera observava, sem reflexões, os sinais de desassossego de espírito





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