Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 21: XXI Pág. 289 / 519

De quando em quando a vista de Berta erguia-se para o vulto escuro da Casa Mourisca, e parecia que o aspecto dela lhe aumentava a melancolia.

Luísa saiu enfim da sala, chamada por as exigências do serviço doméstico.

Berta ficou só. Reclinando a cabeça à mão e apoiada no peitoril da janela, conservou por muito tempo a imobilidade e a fixidez do olhar, que denunciava uma grande abstracção.

Em que pensaria Berta?

Que nuvem cruzaria o seu firmamento, para assim lhe projectar sobre a fronte aquelas sombras de tristeza?

Operava-se uma revolução moral naquele espírito. Berta saíra criança da aldeia, levando entre as mais agradáveis memórias da infância a dos momentos passados na Casa Mourisca e a das pessoas a quem ali dera então os seus primeiros afectos.

Crescera, e essas imagens modificaram-se pela influência do amor na fantasia, pela influência da solidão e dos devaneios da juventude; a de Beatriz, como que santificada pela morte, cercara-se de um resplendor angélico, claro e suave como os raios do luar em luminosas noites de Estio; a de Jorge aparecia-lhe como a de um amigo leal e seguro, a quem se não confiam puerilidades do coração, mas de quem se pode esperar auxílio e conselho nas provações da vida; a de Maurício, porém, fora a que a imaginação que despertava colorira de mais sedutores reflexos. O seu campeão de infância assumira as formas nobres e prestigiosas dos heróis de todos os poemas de amor. Beleza própria de uma juventude varonil, coragem, generosidade, tudo quanto exalta e enobrece a alma, a fantasia daquela rapariga, entregue a si, elaborando a sós sobre as memórias do passado, associara ao nome de Maurício. Fora isto que Berta trouxera no coração para a sua aldeia. Era o seu romance. Tinha ela a razão bastante clara para não o tomar por outra coisa mais real do que um verdadeiro romance, e bastante poder de reflexão para não se deixar dominar por ele.





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